CASA ONDE FOI FUNDADA A UMBANDA, EM SÃO GONÇALO, É
DEMOLIDA
A
estrutura metálica já está pronta para receber o telhado do novo galpão que vai
ocupar o número 30 da Rua Floriano Peixoto, em Neves, São Gonçalo. Dentro do
terreno, uma casinha centenária aguarda a demolição marcada, segundo o
proprietário, ainda para esta semana. Poderia ser uma simples obra, não fosse
um detalhe: a casa rosa, com a pintura já castigada pelos anos, é a última
testemunha do nascimento da umbanda.
Foi no
imóvel — que ocupava o centro de uma chácara, no início do século 20 —, que
Zélio Fernandino de Moraes, então com 17 anos, dirigiu a primeira sessão da
religião. Era 16 de novembro de 1908. A umbanda é a única manifestação
religiosa 100% brasileira.
— A
demolição nos deixa muito decepcionados, pois perdemos uma referência da
chegada da mensagem do Caboclo das Sete Encruzilhadas — diz Pedro Miranda,
presidente da União Espiritista de Umbanda do Brasil, em referência à entidade
que orientou Zélio a fundar a religião.
ESPÍRITOS
TRISTES
A notícia
também surpreendeu a mãe de santo Lucília Guimarães, do terreiro do Pai Maneco,
em Curitiba, Paraná. Na década de 1990, ela veio ao Rio para pesquisar as
origens da religião.
— Imagino
que até os espíritos estejam tristes. É uma pena — lamenta ela.
Há mais
de cem anos com a família de Zélio, o imóvel onde surgiu a umbanda foi vendido
recentemente para o militar Wanderley da Silva, de 65 anos, que pretende
transformar o local em um depósito e uma loja.
— Eu
nunca soube que a casa tinha essa história. Mas agora já comprei, investi, não
posso deixar de demolir — explica-se.
Segundo o
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), nunca houve um
pedido de tombamento do imóvel. A antiga casa de Zélio também não é protegida
pelo governo estadual ou pela Prefeitura de São Gonçalo.
De acordo
com a última avaliação do IBGE, feita no Censo 2000, o Brasil tem quase 400 mil
umbandistas. A religião está em todos os estados do país e também no Uruguai,
Paraguai, Argentina, Portugal, Espanha e Japão.
‘TUDO
ACABOU’
O
terreiro de Zélio de Moraes — que recebeu o nome de Tenda Espírita Nossa
Senhora da Piedade — funcionou por pouco anos em São Gonçalo. Os primeiros
umbandistas mudaram-se logo para o Rio de Janeiro.
Primeiro,
o centro funcionou na Rua Borja Castro, na Praça Quinze. A rua foi extinta, na
década de 1950, para a construção da Perimetral. Dali, foram para a Avenida
Presidente Vargas. O imóvel também foi demolido, dessa vez para dar lugar ao
Terminal Rodoviário da Central do Brasil.
Uma nova
mudança e mais uma demolição. A casa 59 da Rua Dom Gerardo, em frente ao
mosteiro de São Bento, virou um estacionamento.
— Tudo
acabou, eram prédios muito antigos. Lamento que o último registro também vai
desaparecer. Mas o mais importante é que os ensinamentos do meu avô se
perpetuem — pediu a neta de Zélio, Lygia Cunha, que hoje preside a Tenda
Espírita Nossa Senhora da Piedade. O terreiro agora funciona em uma sede
própria, em Cachoeiras de Macacu, no interior do estado.
CAPELA DE
SÃO PEDRO
Antes de
ser vendida, a casa onde nasceu a Umbanda abrigou uma capela católica. A última
moradora do imóvel, uma descendente de Zélio que é muito católica, cedeu o
espaço para os devotos. Quem administra a igrejinha — que também mudou de
endereço — é dona Geraldina dos Santos, de 74 anos.
— Não tenho preconceito, não. Todos somos filhos de Deus. Se a religião nasceu lá, a casa devia ser preservada. É importante — disse.
Foto: Roberto Moreyra / Extra Thamyres Dias